Foto: Mohamed Azakir
Durante visita recente à Síria, o presidente da Comissão de Inquérito da ONU para o país, o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro, afirmou que o futuro da nação depende do fim das sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos. Em entrevista à Agência Brasil, ele destacou que, apesar dos sinais de maior liberdade política, o cenário social é crítico, com 90% da população vivendo abaixo da linha da pobreza.
Pinheiro esteve em Damasco no fim de março e relatou ter encontrado uma cidade que “respira liberdade” após quase 60 anos de ditadura. No entanto, nos arredores da capital e em outras regiões, a destruição da guerra é visível: prédios em ruínas, populações deslocadas e precariedade generalizada. Cerca de 7 milhões de sírios vivem como refugiados fora do país e outros 6 milhões estão deslocados internamente.
Reconstrução travada por bloqueios econômicos:
A crise humanitária e a estagnação econômica, segundo o representante da ONU, são agravadas pelas sanções impostas principalmente pelos EUA. “Sem acesso ao sistema bancário internacional, não há possibilidade de investimento. É preciso convencer Washington a rever essas medidas. Caso contrário, será um desastre”, alertou Pinheiro.
Ele ainda explicou que a União Europeia já flexibilizou algumas restrições após a queda de “Bashar Al-Assad”, mas o bloqueio americano ao sistema “Swift” continua sendo um entrave central para qualquer recuperação econômica.
Novo governo sob observação:
O novo presidente sírio, Ahmed al-Sharaa, também conhecido como al-Jolani, tem origem ligada a grupos jihadistas como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico, mas, segundo Pinheiro, vem adotando um discurso de liberdades e direitos humanos. Ele promoveu um encontro nacional com representantes da sociedade civil e apresentou uma declaração constitucional que reconhece tratados internacionais de direitos humanos.
Ainda assim, o cenário político segue frágil. O governo não controla todo o território e episódios recentes, como o massacre de cerca de mil civis alauítas na costa leste do país, colocam em xeque a estabilidade. Pinheiro defendeu a seriedade do comitê montado pelo próprio governo para investigar o caso, mas lembrou que só a publicação de um relatório independente poderá confirmar essa credibilidade.
Transição em andamento:
A nova administração prometeu eleições em até cinco anos, mas, segundo o enviado da ONU, ainda é cedo para falar em democracia plena. “Não haverá uma democracia liberal e secular nos moldes ocidentais. A transição será aos trancos e barrancos, como a maioria dos processos pós-ditatoriais”, disse.
A reconstrução social e política da Síria exige tempo, vigilância internacional e, sobretudo, o alívio das pressões econômicas externas. “A Síria precisa de espaço para respirar. Hoje, não se trata de um plano ideal, mas é o único possível”, concluiu Pinheiro.