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O pênalti de Marta, o gol de Luana e a prova de que nada é impossível

18/11/2025
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Por Renata Nandes

Quando o ato participa da mudança no imaginário social

Luana abraça Marta após marcar o segundo gol do Orlando Pride na vitória sobre o Seattle Reign — Foto: Twitter/NWSL

Quando a árbitra apitou o pênalti nos acréscimos, o roteiro parecia óbvio: Marta (nossa Marta), camisa 10 do Orlando Pride, maior jogadora da história, pegaria a bola e fecharia a vitória por 2 a 0 sobre o Seattle Reign, garantindo o time na semifinal da NWSL, a liga feminina dos Estados Unidos.

Mas não foi isso que aconteceu.

Marta caminhou até a marca da cal, segurando a bola, e fez um gesto simples, porém enorme: entregou a cobrança para a volante brasileira Luana Bertolucci, que tinha entrado há poucos minutos. Era mais do que um presente de jogo. Era um reconhecimento público de uma história de resistência.

Luana voltou a atuar em setembro, depois de se afastar dos gramados para tratar um câncer linfático. Um ano antes, ela mesma não sabia se conseguiria voltar a jogar futebol profissional.

Na entrevista pós-jogo, ainda emocionada, ela resumiu a travessia em uma frase que virou manchete e mantra:

“Um ano atrás eu nem sabia se iria jogar novamente, e hoje estou aqui. Nada é impossível.”

Jogadoras do Orlando Pride comemoram o primeiro gol da vitória sobre Seattle Reign — Foto: Twitter/NWSL

O gol que vale mais do que vaga na semifinal

Tecnicamente, o lance valeu a classificação do Orlando Pride para a semifinal da NWSL. Mas simbolicamente, vale muito mais.

No momento em que Marta arranca em contra-ataque, dribla o tempo e a lógica de simplesmente “chutar para longe”, como ela mesma explicou (“eu odeio chutar a bola para ninguém, eu prefiro ter a bola comigo”), vemos a experiência de quem sabe administrar o relógio, a pressão e o próprio corpo – aos 50 e tantos minutos do segundo tempo.

Quando decide passar a responsabilidade para Luana, Marta faz outra coisa: desloca o holofote. Ela divide o protagonismo com quem passou 18 meses lutando contra um linfoma, afastada do esporte que estrutura sua identidade.

O pênalti batido com calma, o abraço em seguida, o choro contido na entrevista: tudo ali compõe uma narrativa potente de reconhecimento – não só da jogadora, mas de todas as mulheres que, dentro e fora do futebol, precisam provar mil vezes que merecem estar onde estão.

Do drama individual ao imaginário coletivo

Na minha pesquisa de mestrado em Comunicação Digital sobre o papel das campanhas e narrativas digitais no reconhecimento e na resistência do futebol feminino no imaginário social brasileiro, uma das conclusões é que histórias como a de Luana são “pontos de luz” num cenário ainda marcado pela desigualdade de gênero, invisibilidade e desvalorização.

O que acontece com Luana não é apenas “superação individual”. Quando essa história circula em transmissões, portais esportivos, redes sociais, reels emocionados e posts com a frase “Nada é impossível”, ela passa a integrar o que o teórico Serge Moscovici chama de representações sociais: modos compartilhados de imaginar e falar sobre algo – nesse caso, sobre o futebol jogado por mulheres.

Já Cornelius Castoriadis nos ajuda a entender isso como parte do imaginário social: o conjunto de significados que faz uma sociedade enxergar certos corpos como “naturais” no centro do espetáculo e outros como “intrusos” ou “exceções”.

Durante décadas, o corpo da mulher no futebol foi visto como corpo “fora de lugar”: proibido por lei no Brasil até os anos 1970, ridicularizado, sexualizado, pouco financiado. Quando uma jogadora como Luana volta de um tratamento de câncer e decide, diante de milhões, dizer “eu estou aqui” – e uma estrela como Marta responde “e eu estou com você” –, o que está em jogo é uma disputa por esse imaginário.

Sororidade em campo: o passe que é gesto político

O gesto de Marta é técnico, tático e profundamente simbólico. Ao “abrir mão” de bater o pênalti, ela pratica uma forma concreta de sororidade: usar o próprio capital simbólico para alavancar o brilho de outra mulher.

Na lógica das redes sociais e dos grandes espetáculos esportivos, isso importa muito. As imagens de Marta sofrendo o pênalti, Luana cobrando e as duas se abraçando já circulam em perfis esportivos, páginas especializadas em futebol feminino e páginas de torcedores.

Cada compartilhamento ajuda a desmontar, um pouco, aquela ideia antiga de que o futebol feminino é “menor”, menos competitivo ou menos emocionante. A cena mostra exatamente o contrário: alta performance, carga emocional imensa e um senso de coletivo que desafia o individualismo tão exaltado em boa parte do esporte masculino.

Do gramado à tela: por que precisamos contar essa história

Minha pesquisa mostra que, na era dos algoritmos, contar e recontar essas histórias é parte da luta política por reconhecimento. Quando a narrativa de Luana viraliza, ela:

  • inspira pessoas que enfrentam doenças graves a olhar para o próprio corpo não apenas como “doente”, mas como campo de resistência;
  • reafirma que carreiras femininas no esporte são possíveis, ainda que marcadas por obstáculos;
  • oferece novas referências para meninas que crescem sem se ver na tela quando o assunto é futebol.

Em um momento em que o futebol feminino vive um crescimento global, mas ainda enfrenta desigualdades salariais, falta de cobertura midiática e comentários misóginos, o pênalti de Luana e o passe de Marta são um lembrete de que o jogo também se decide no campo dos símbolos.

Às vezes, uma vaga na semifinal é “apenas” um degrau na tabela. Mas, de vez em quando, ela é exatamente isso que Luana disse: a prova viva de que, para quem insiste em existir, nada é impossível.

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