Por Renata Nandes
O longa-biográfico recém-lançado na apple tv, “Napoleão”, de Ridley Scott (Gladiador) e estrelado por Joaquim Phoenix (Coringa) mergulha profundamente na vida e no legado de uma das figuras mais emblemáticas e controversas da história europeia. Enquanto a produção brilha ao explorar as facetas complexas de Napoleão Bonaparte – desde suas conquistas militares, suas reformas administrativas e as milhares de mortes em nome de suas guerras – há uma omissão notável que merece discussão: a influência indireta de Napoleão na história do Brasil.
“Napoleão” apresenta um retrato íntimo do líder francês, destacando sua genialidade tática, suas ambições imperiais e os impactos sociais de suas políticas, e não é apenas uma celebração das vitórias militares e do gênio estratégico do imperador francês, mas também uma exploração introspectiva do homem por trás do mito. Ao oferecer um vislumbre de sua ascensão ao poder, o filme também se aventura pelas sombras de sua governança, destacando tanto as reformas legislativas revolucionárias quanto as consequências devastadoras de suas campanhas militares. No entanto, o filme parece negligenciar as reverberações globais de suas ações, particularmente a transferência da corte portuguesa para o Brasil em 1808 – um evento precipitado pela invasão napoleônica de Portugal. Este momento histórico não apenas salvou a monarquia portuguesa da captura, mas também marcou o início de uma nova era para o Brasil, transformando-o de colônia para sede do Império Português e pavimentando o caminho para sua independência.

A ausência dessa narrativa no filme “Napoleão” levanta questões importantes sobre a representação da história nas produções cinematográficas. Por que uma consequência tão significativa das campanhas napoleônicas – uma que alterou fundamentalmente o curso da história brasileira – foi omitida? Essa omissão reflete uma visão eurocêntrica da história, onde os impactos globais de eventos europeus são frequentemente minimizados ou ignorados? Ao questionar essa lacuna, não estamos apenas criticando a escolha narrativa do filme, mas também destacando a necessidade de uma compreensão mais holística da história. As ações de Napoleão tiveram efeitos que foram sentidos muito além das fronteiras europeias, influenciando a geopolítica, economia e sociedade de regiões distintas do mundo.
Além do impacto profundo na Europa, a figura de Napoleão Bonaparte teve reverberações significativas no Brasil, um aspecto que “Napoleão” da Apple poderia apenas tangenciar, mas que é essencial para a compreensão completa do seu legado. A invasão de Portugal por Napoleão em 1807 desencadeou uma série de eventos que levariam à transferência da corte portuguesa para o Brasil, transformando radicalmente a estrutura política e social da colônia.
Este período de treze anos em que a família real portuguesa residiu no Brasil não apenas elevou o país ao status de sede do império português, mas também impulsionou reformas que abririam caminho para a independência do Brasil em 1822. As ações de Napoleão, embora distantes, catalisaram mudanças significativas, promovendo o desenvolvimento econômico, a melhoria da infraestrutura e a criação de instituições culturais e educacionais no Brasil. A presença da corte portuguesa no Brasil acabou por fortalecer a identidade nacional e fomentar o desejo de autonomia, culminando na independência do país.
Portanto, ao assistir “Napoleão” na Apple, os espectadores brasileiros podem se beneficiar de uma reflexão adicional sobre como as ambições de um líder europeu acabaram por influenciar o curso da história em outra parte do mundo. A figura de Napoleão Bonaparte, com todas as suas contradições, desempenha um papel indireto, porém fundamental, na jornada do Brasil em direção à soberania e ao desenvolvimento nacional.
Essa contextualização enriquece nossa apreciação do filme, lembrando-nos de que as ondas criadas por figuras históricas como Napoleão ultrapassam fronteiras e épocas, afetando a vida e a história de nações distantes. A história de Napoleão e seu impacto no Brasil é um testemunho da interconexão do mundo e da complexidade das relações internacionais, onde as ações de um país ou líder podem definir o destino de outro.
Ao contemplarmos a saga de Napoleão retratada no filme de Ridley Scott, é crucial reconhecermos as inúmeras vidas moldadas e muitas vezes ceifadas pelos caprichos de líderes poderosos ao longo da história. A omissão do impacto de Napoleão no Brasil serve como um lembrete pungente de que, por trás das estratégias militares e das conquistas territoriais, residem histórias não contadas de indivíduos e nações inteiras afetadas indiretamente pelas ambições de grandes líderes. Esta reflexão deve nos instigar a buscar uma compreensão mais profunda e inclusiva da história, uma que abarque todas as suas facetas e as diversas perspectivas das “vítimas dos Napoleões” ao longo dos séculos. Encorajo os leitores a refletirem sobre as consequências duradouras das guerras, não apenas nos campos de batalha, mas nas vidas alteradas para sempre por eventos históricos distantes. Que possamos aprender com o passado para construir um futuro onde a empatia e a compreensão mútua transcendam as ambições de poder.