Por Renata Nandes
A estreia da cinebiografia “Bob Marley: One Love” nos cinemas abre um novo capítulo na forma como percebemos e interpretamos a vida e o legado de Bob Marley, não apenas como um ícone musical, mas também como uma figura complexa sob a lente da psicanálise. Mas é possível pensar a psicanálise a partir da trajetória de Marley e os aspectos psicanalíticos presentes no filme, utilizando as teorias freudianas e lacanianas para aprofundar nossa compreensão sobre o músico?
O Contexto Freudiano
Sigmund Freud, o pai da psicanálise, introduziu conceitos como o inconsciente, os sonhos como realizações de desejos, e a dinâmica do id, ego, e superego, que podem ser úteis na análise da vida de Marley. A infância de Marley, marcada por desafios e a busca por identidade em meio à pobreza de Kingston, pode ser entendida através da ótica freudiana da busca pelo prazer e pela evitação do desprazer, onde a música surge como uma forma de sublimação de seus conflitos internos e desejos reprimidos.
Marley, através de suas letras, expressa uma constante luta entre os desejos básicos (id) e a necessidade de atender às normas sociais e morais (superego), com sua música agindo como o ego que media essa tensão. Seus apelos por paz e união refletem um desejo profundo de resolver conflitos internos e externos, uma expressão de seu próprio processo de individuação e busca pela satisfação das necessidades emocionais e psicológicas fundamentais.
A Perspectiva Lacaniana
Jacques Lacan, por outro lado, enfatizou a linguagem e o simbólico na constituição do sujeito. Para Lacan, o desejo é sempre o desejo do Outro, o que pode ser aplicado à maneira como Marley se via e era visto pelos outros. Através de sua música, Marley não apenas comunicava sua própria verdade, mas também moldava e era moldado pelo desejo coletivo por mudança, justiça e liberdade.
O conceito lacaniano do “Outro” também é pertinente na análise da relação de Marley com seu público e com os movimentos sociais e políticos de sua época. Ele se tornou o espelho no qual muitos viam suas próprias lutas e aspirações refletidas, agindo como um agente de mudança simbólica e real. O ato de Marley de planejar um concerto pela paz em meio a uma guerra civil pode ser visto como um momento de “travessia da fantasia”, onde ele confronta o Real da violência e do conflito com o Simbólico de sua música e mensagem.
Conclusão
O filme “Bob Marley: One Love” oferece uma rica tapeçaria para análise psicanalítica, trazendo à tona as complexidades de Marley como indivíduo e como símbolo. Freud e Lacan, com suas teorias sobre o inconsciente, o desejo, e o simbólico, oferecem ferramentas valiosas para desvendar as camadas mais profundas da psique de Marley. Ao fazer isso, podemos começar a entender como sua música transcendeu o reggae para se tornar um veículo de expressão de desejos universais por amor, união e transformação social.
Assim, enquanto o filme nos convida a celebrar a vida e o legado musical de Marley, ele também nos desafia a considerar as complexidades de sua jornada sob uma luz psicanalítica, enriquecendo nossa apreciação de sua arte e sua luta.