É urgente uma mudança de paradigmas em relação à contracepção. Da passividade pueril, a uma postura crítica, ativa e bem informada; da decisão unilateral de médicos, a um consenso construído e compartilhado entre a mulher – as mais atingidas e afetadas nesse processo –, seu parceiro ou parceira, e o profissional de saúde.
Por Daniel Sabino
Parte das mulheres que chega ao consultório à procura de métodos contraceptivos, nunca sequer tocou e sentiu seu colo uterino, nem faz ideia de quando ocorre a ovulação e seu período fértil; ou das transformações internas que acontecem durante seu ciclo menstrual – com quase idêntica duração às fases da lua.
Costumo provar minhas pacientes e devolver-lhes a pergunta: “Qual método você escolheu? Quais são os riscos e benefícios, tendo em conta sua idade, hábitos e histórico clínico e familiar?” A maioria é incapaz de responder, e fica perplexa.
O século 21 exige sagacidade. Exige confrontar a informação recebida, mesmo quando fornecida por seu médico ou médica. Custa acreditar, mas essa atitude é tristemente necessária. A opinião de seu médico sobre esse tema é técnica, mas, ao mesmo tempo, influenciada por preceitos morais, religiosos e até ideológicos; por suas preferências pessoais e, por ventura, interesses comerciais.
A mulher deve ficar atenta, para não ser vítima das escolhas, preconceitos e interesses de outros. Por isso, recomendo seguir os seguintes passos na hora de tomar sua decisão:
1) Ver os Critérios de Elegibilidade do método para o seu caso. Essa informação encontra-se em uma tabela de conhecimento público elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que classifica a escolha dos métodos contraceptivos tendo em conta as características da pessoa, e os divide em categorias, de 1 a 4: sem restrição, benefícios superam riscos, riscos superam benefícios, risco inaceitável.
2) Comparar o Índice de Pearl de cada método a escolher. Esse índice avalia o número de falhas do método, ao longo de 12 meses, por cada 100 mulheres. Também de conhecimento público, e mede a eficácia provada do método.
3) Expectavas reprodutivas e características pessoais: se você quer mesmo ou não ter filhos, e em que momento da vida. Avaliar sua personalidade e preferências.
4) Conhecer o profissional de saúde que te fornece a informação: além das questões morais e religiosas, se o profissional é financiado por alguma marca, empresa, representante da indústria farmacêutica, ou se terá algum beneficio pessoal ao te recomendar o método.
Tendo isso claro, passo a algumas considerações sobre os métodos que, a meu juízo, merecem maior atenção: Billings, hormônios e DIU.
Os métodos contraceptivos comportamentais estão pouco valorizados na nossa cultura médica; vistos como altamente ineficazes. Eu discordo em parte, principalmente no relacionado ao método de detecção e reconhecimento do muco cervical (Billings).
Explorar e conhecer seu próprio corpo deveria ser a primeira tarefa sugerida por seu médico de família ou ginecologista. O método consiste em reconhecer, através de toque vaginal, as caraterísticas do seu muco cervical durante o ciclo menstrual e, principalmente, no momento pré-ovulatório, período de maior estimulação estrogênica, no qual adquire quantidade, maior limpidez e elasticidade. Isso marca o inicio do seu período fértil e te permite ter mais informações a respeito de você, maior intimidade com seu corpo, assim como aprender a diferenciar secreções anormais ou patológicas.
Pílulas e injeções hormonais – métodos mais amplamente utilizados em nosso meio -, quase sempre são prescritos de forma apressada e sem o devido rigor informativo. Muitas mulheres certamente se beneficiam com tais métodos, principalmente adolescentes; quando há dismenorreia (cólicas menstruais muito intensas e incapacitantes) e sangramentos menstruais excessivos. Mas se a mulher tiver 35 anos ou mais, excesso de peso, for tabagista ou sofrer de enxaqueca, pode ser especialmente prejudicial. Cresce no mundo o número de mulheres vítimas de trombose, infartos e AVC, em consequência do uso inadvertido de hormônios, que diversos estudos relacionam, ademais, ao aumento da chance de depressão.
O Dispositivo Intra Uterino (DIU), com índice de pearl real igual a 0,8 (referência ao de cobre), é pelo menos 3 vezes mais seguro – no tocante à gravidez – que as pílulas e injeções hormonais. No Brasil, no entanto, sofre ainda de preconceito, desinformação e é subutilizado, apesar de fornecido gratuitamente pelo SUS. Salvo adolescentes nuliparas, que talvez tenham maior dificuldade de adaptação ao dispositivo, pode ser utilizado por qualquer mulher, sem aumentar o risco de infecções como se crê; ainda que em 20% delas possa aumentar as cólicas e o fluxo menstrual. A meu ver, falta treinamento adequado para os profissionais médicos e de enfermagem que atendem na ponta, e informações de qualidade para que o tenhamos mais em conta no momento da tomada de decisões.
Ressalto que ambos, DIU e hormônios, não previnem infecções de transmissão sexual (IST) – em ascenso no Brasil –, pelo que faz-se necessário, principalmente em caso de múltiplos parceiros ou parceiras, estimular o uso de métodos de barreira como a camisinha feminina ou masculina, segundo gostos do casal.
Para não estender-me demasiado, termino com uma mensagem aos homens que me leem: respeitem e apoiem mais as decisões contraceptivas das mulheres, sem imposições.
Aos médicos e médicas que as cuidam: idem.