Foto: Marcello Casal Jr
Silêncio, reflexão, tradição. A “Sexta-feira Santa“, celebrada por milhões de brasileiros, é um dos momentos mais intensos da Semana Santa. A data retoma os últimos passos de Jesus Cristo até sua morte e carrega uma profunda carga simbólica para a fé cristã. Mas não para por aí: ao longo do tempo, essa sexta-feira ganhou novas leituras, gestos e significados que se espalham em rituais, encenações e até mesmo sincretismos religiosos.
Por que é sempre numa sexta?
A explicação vem dos evangelhos e também da tradição judaica. Segundo estudiosos, a morte de Jesus coincidiu com os preparativos da Festa de Pessach, a Páscoa judaica. Para não interferir nas celebrações, sua crucificação foi antecipada e ocorreu numa sexta-feira. A partir daí, o dia passou a ser lembrado como o momento em que o “cordeiro de Deus” se entregou em sacrifício.
Essa conexão com o judaísmo não é por acaso. Na Pessach, um cordeiro era morto em sinal de proteção. No cristianismo, Jesus assume esse papel simbólico: o sacrifício que redime, o sangue que liberta, a morte que aponta para a ressurreição.
Um dia sem eucaristia
Na liturgia católica, a Sexta-Feira Santa tem uma marca forte: não há celebração da eucaristia. O silêncio toma conta das igrejas. O foco está na cruz. Em muitos lugares, as pessoas a tocam, beijam, se ajoelham diante dela. Um gesto que expressa dor, mas também devoção.
No Brasil, onde fé e emoção andam juntas, essa reverência ganha formas intensas. Já em outras culturas, como na Europa, o gesto é mais contido: uma leve inclinação da cabeça, um olhar demorado. Diferentes formas de dizer a mesma coisa: “Estamos em luto.”
Paixão que ganha as ruas
Mais do que dentro dos templos, a Sexta-Feira Santa também vive nas ruas. Em cidades como a histórica Goiás, o cortejo do Fogaréu transforma a madrugada em cena. Figuras encapuzadas, tochas acesas, passos coreografados. A encenação da via sacra resgata os momentos finais da vida de Cristo com forte presença da cultura popular.
Espetáculos da Paixão de Cristo também se espalham por todo o país, misturando teatro, religiosidade e tradição oral. A fé, aqui, encontra expressão artística e comunitária.
Outras crenças, mesmo espírito
No Brasil, país de tantas crenças, a Sexta-Feira Santa também é vivida por outras tradições. Para religiões de matriz africana como o candomblé e a umbanda, esse é um tempo de celebrar Oxalá, orixá que se aproxima da imagem de Jesus: símbolo da criação, da paz, da espiritualidade elevada.
Já no espiritismo, a ressurreição é vista como sinal de evolução do espírito — um chamado à transformação interior. Em comum, está a ideia de passagem, renovação, sentido profundo.
Um feriado que atravessa a história
Embora o Brasil seja um Estado laico, a Sexta-Feira Santa é feriado nacional desde 1995. A tradição, no entanto, vem de muito antes, desde o período colonial. Mais do que um costume religioso, a data é parte da identidade cultural brasileira.
E se a proposta da Páscoa é renascimento, talvez a Sexta-Feira Santa seja o lembrete: antes da luz, há silêncio. Antes da celebração, há entrega. E nesse intervalo entre dor e esperança, cada pessoa encontra sua forma de viver esse momento.